quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

A literatura faz lembrar

Texto de Aino Pervik e cartaz de Jüri Mildeberg (Estônia)
Tradução: Peter O’Sagae




“Quando Arno chegou à escola,
ao lado de seu pai,
as aulas já haviam começado.”


Na Estônia, quase toda a gente conhece esta frase de cor. É a primeira linha de um livro publicado em 1912, Primavera, do escritor Oskar Luts (1887-1953). A obra nos mostra a vida de crianças que vão a escola de uma vila rural no final do século XIX, em meu país. Oskar Luts narra sua própria infância, o personagem Arno é, na realidade, ele mesmo quando criança.

Historiadores costumam pesquisar antigos documentos antes de escrever seus compêndios. Livros de História falam a respeito de fatos que aconteceram, mas neles mal entendemos como era a vida das pessoas comuns. Por sua vez, livros de literatura tornam presentes coisas que você jamais poderia descobrir em velhos documentos, por exemplo, o que pensava um menino como Arno, cem anos atrás, ao ir para escola. A literatura recorda os sonhos das crianças daquela época, coisas que as faziam ter medo, o que as faziam felizes. A literatura também lembra aos pais das crianças quem eles gostariam de ser e o futuro que desejaram para seus filhos.

Naturalmente, hoje também podemos escrever livros inspirados no passado, o que seria apaixonante. Mas um autor de agora não pode mais sentir os cheiros e os sabores, o temores e as delícias de tempos longínquos. O escritor de hoje já sabe o que aconteceu depois e como se esvaiu o futuro das pessoas de outrora.

A literatura evoca o tempo em que foi escrito.

Com os livros de Charles Dickens, entrevemos como era a vida de um menino nas ruas de Londres, em meio ao século XIX, quando Oliver Twist corria por elas. Pelos olhos de David Copperfield — que são os mesmos olhos de Dickens em seu tempo —, podemos ver todo tipo de pessoas que viviam na velha Inglaterra, as relações que mantinham entre si, quais eram as ideias e os sentimentos que influenciavam seu modo de ser. Porque David Copperfield é, de muitas maneiras, Charles Dickens, ele nada precisou inventar — simplesmente sabia de tudo o que escrevia.

É igualmente pelos livros que conhecemos o que realmente sentiam Tom Sawyer, Huckleberry Finn e seu amigo Jim, ao descerem o Mississippi no final do século XIX, quando Mark Twain escreveu suas aventuras. Ele tinha um conhecimento profundo sobre o que as pessoas de sua época pensavam sobre si mesmas, pois Twain viveu entre elas. Era uma dessas pessoas.

As obras literárias que foram escritas no passado, junto a quem viveu os velhos tempos, são aquelas que falam das pessoas da maneira mais autêntica. E o livro delas faz lembrar.


* Para o Dia Internacional do Livro Infantil 2011 (2 de abril), o IBBY convidou a escritora Aino Pervik e o ilustrador Jüri Mildeberg da Estônia para a elaboração da mensagem anual e do cartaz comemorativo.

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