sexta-feira, 2 de abril de 2010

Um livro espera você, busque por ele!

Texto: Eliacer Cansino Macías. Tradução: Peter O’Sagae

Era uma vez
um barquinho pequenino,
que não sabia,
que não podia
navegar.

Passaram uma, duas, três,
quatro, cinco, seis semanas
e o barquinho
e o barquinho
navegou.

Aprende-se a brincar antes de ler. E a cantar também. Os meninos de minha terra costumavam entoar esta canção, ainda que nenhum de nós soubesse ler. Íamos, em coro, juntos pelas ruas, desafiando o vozeio das cigarras do verão, cantando uma, duas, três vezes a impotência do barquinho que não sabia navegar. Às vezes, fazíamos barquinhos de papel, pondo-os nas poças, e os barquinhos afundavam sem conseguir alcançar a costa.

Eu também era um barco pequeno ancorado nas ruas do meu bairro. Passava as tardes no terraço, observando esconder-se o sol pelo poente, e adivinhava distante — não sabia ainda se distante no espaço ou distante do coração — um mundo maravilhoso que se estendia muito além de meus olhos.

Atrás de umas caixas, num armário de casa, havia também um livro bem pequeno que não podia navegar porque ninguém o lia. Quantas vezes, passei perto dele sem notar sua existência. O barco de papel, preso na lama; o livro solitário, oculto na estante atrás das caixas de papelão.

Um dia, minha mão, buscando algo, tocou a lombada do livro. Se eu fosse livro, contaria assim: “Um dia, a mão de um menino me tocou e eu senti que desfraldava minhas velas e começava a navegar.” Que surpresa quando, por fim, meus olhos encontraram aquele objeto! Era um pequeno livro de capas vermelhas e filigranas douradas que abri, cheio de expectativa, como quem encontra um baú e está ansioso para descobrir seu conteúdo. E não era para menos. Bastou começar a ler para saber que a aventura ali se desdobrava: a valentia do herói, os personagens bondosos, os malvados, as ilustrações com frases ao pé da página que eu olhava mais de uma vez, o perigo, as surpresas... Tudo me transportava a um mundo desconhecido e apaixonante.

Foi assim que descobri: além de minha casa, existia um rio e, depois do rio, havia um mar e, no mar, esperando partir, um barco. O primeiro que me levou se chamava La Hispaniola, mas o mesmo teria acontecido se o seu nome fosse Nautilus, Rocinante, ou o navio de Simbad, a barcaça de Huckleberry... Todos eles, por mais que passe o tempo, estarão sempre à espera de um menino — que seus olhos abram suas velas e os façam zarpar.

Então, não espere mais, estique seu braço, pegue um livro, abra-o e leia: descobrirá, como na canção de minha infância, que, por menor que seja, não existe barco que, em pouco tempo, não aprenda a navegar.


Um comentário:

  1. O encontro de uma criança com um livro é sempre um momento iluminado. Pode acontecer ao acaso, como no caso de Macías, pode acontecer por um desejo transbordante, ou por uma curiosidade mais comesinha. Mas é sempre bonito criar e/ou poder realizar o desejo de uma criança por uma história surpreendente, seja contada, lida no colo ou assistida em um cinema ou teatro. Nas bibliotecas infantis há um livro vermelho, hoje um tanto deixado às traças, mas que cheio de contos de fadas em rimas e ilustrações generosas fez a alegria de três gerações de crianças. É um livro de 80 cms de comprimento por uns quarenta de largura. Eu e descobri um dia, que várias colegas que trabalharam com crianças em sala de leitura nos anos 80 e 90 passaram tardes sem fim contando histórias desse livro mágico, publicado pela Editora Abril, traduzido do italiano por Edy Lima, que talvez nem saiba disso...Momentos mágicos que marcam a vida e ficam escondidos na lembrança e que esse depoimento trouxe de volta...Ana Lúcia Brandão

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.